Coração
versus Razão. Fazemos essa dicotomia o tempo todo, atribuindo ao coração
tudo que é mais confuso e tudo o que fazemos – e sentimos – mas achamos errado.
Criamos uma guerra entre os dois e dizemos, na maior parte das vezes, que a
Razão deveria vencer. Acirramos uma disputa imaginária na qual quem perde somos
nós. Porque não somos só Coração nem só Razão, somos ambos e muito mais. E
quanto maior é a oposição, mais difícil é amar e viver sem drama. O amor não é
confuso, nós é que criamos a confusão. Há alguns meses li uma frase do Lobo
Antunes que me marcou: “O que seria de nós, não é, se fôssemos de facto
felizes?” Acho que ele pegou um ponto crucial quando falou isso. Nós
gostamos da confusão. Gostamos até de não sermos correspondidos no amor, ficamos
entediados se tudo dá certo demais. Já pensei que isso tem a ver com o
masoquismo intrínseco de cada um de nós, com a tendência do humano de
destruição, e mil outras hipóteses. Não consegui chegar a nenhuma conclusão
definitiva, mas o que percebi é que de fato não conseguimos ficar muito tempo na
tranqüilidade. Sei que várias pessoas vão discordar, achar que estou exagerando,
que não é bem assim, mas é o que eu acho e o que eu vejo em mim e à minha volta.
Coração/Razão é só um dos pares de opostos que adoramos cultivar. Poderia falar
também de Mente/Corpo, por exemplo, mas no fundo é a mesma coisa: nós e nossa
impossibilidade de aceitar as coisas como elas são. Há momentos em que acho isso
péssimo, penso que é ruim e que deveria levar a vida de uma forma mais simples.
Em outros questiono se essa almejada simplicidade não é apenas um ideal, e outra
oposição que crio para não ficar satisfeita com o que já é. Ao escrever
satisfeita, outra dimensão me toma, a de que tanta confusão nasce
justamente dessa insatisfação inerente ao ser humano, e que não há como remediar
algo que é próprio da nossa constituição. Não há satisfação plena, ao menos não
enquanto estamos vivos, e é só isso que interessa. Então talvez, mais do que
tentar eliminar as oposições e confusões, bastasse apenas ter coragem suficiente
para viver com tudo isso. Outro dia escrevi que o amor é para heróis, querendo
dizer que é muito mais fácil tentar se proteger e se esconder por medo de
sofrer, e que para amar – não apenas se entregar, se apaixonar, mas viver o amor
todo dia – é preciso muita coragem. Amar talvez seja isso, então, ter coragem
para enfrentar a confusão. Ou talvez isso seja viver.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
sem saco para título
O que seria de nós, não é, se fôssemos de facto felizes? Já imaginou como isso
nos deixaria perplexos, desarmados, mirando ansiosamente em volta em busca de
uma desgraça reconfortadora, como as crianças procuram os sorrisos da família
numa festa de colégio? Viu por acaso como nos assustamos se alguém, sem segundos
pensamentos, se nos entrega, como não suportamos um afecto sincero,
incondicional, sem exigência de troca?" Antonio Lobo
Antunes
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