terça-feira, 6 de novembro de 2012

E se eu me apaixonar por você?

Eu não posso me apaixonar por você. Se eu me apaixono por você, o que vai ser de mim? Eu vou ter que suportar toneladas de borboletas fazendo estripulias no meu estômago, voando pra lá e pra cá, pra lá e pra cá, e eu vou achar estranho me sentir mais leve, mesmo estando tão habitada. Vou ter que aguentar o coração disparando e o medo de estar prestes a sofrer um ataque cardíaco ou coisa assim, até perceber que é apenas você que está chegando com esse sorriso incandescente que minha alma já sente de longe, meu corpo também. Não, eu não posso. Eu não posso me apaixonar por você e, boba, ter o riso frouxo pra qualquer piada-sem-graça que sair da tua boca, e achar a coisa mais bonita do mundo a tua boca. E ter vontade dela, de você. Meus pensamentos vão tentar não apressar o tempo necessário se, por acaso, eu me apaixonar por você. Mas no coração eu já vou ter imaginado tudo, tudo: declarações, cartas, presentes, músicas, cores. No coração eu já vou ter pintado um céu pra nós, azul e vermelho. Nosso. Onde vamos poder fugir a dois sempre que o mundo ficar pesado demais, a gente vai ter o nosso lugar pra descansar. E você vai rir cada vez que me flagrar pedindo, sabe-se lá a quem, para que o tempo não passe e que me deixe ficar um pouco mais enrolada no teu cheiro. A eternidade, quem sabe. E eu vou ficar com muita raiva porque você nunca entende minhas metáforas, e quando falo eternidade não é a eternidade o que eu quero. Porque, se eu me apaixonar por você, eterno vai ser cada instante, e eu vou ter que me apaixonar por você todos os dias. O que vai ser de mim, se eu me apaixonar por você? Vou fazer poesia de cada uma das nossas brigas e dos nossos momentos de amor. É, vou deixar registrada cada uma das vezes que te odiei por achar o máximo que aquelas mulheres deem em cima de você e porque você sempre justifica dizendo que não tem culpa se é gostoso; e todas as vezes que me odiei por concordar com essa justificativa, mas sobretudo por confiar em você, por estar apaixonada por você. Eu vou fazer poesia de você todos os dias, no papel ou no seu corpo. Se eu me apaixono por você vou ter a mania ridícula de sair catando cada um dos sonhos que deixas por aí, por medo, e eu irei grudá-los em você, um a um, só para que aprenda que teus sonhos também são meus, e que nós vamos acreditar neles, juntos. Definitivamente, eu não posso me apaixonar por você. Eu não posso deixar que o coração seja o dono de todas as razões. Porque, se eu me apaixonar por você, vou ser tagarela e falar tudo que penso, discutir sobre assuntos existenciais ou jogos de futebol, ou vou te deixar louco tentando entender o meu silêncio, quando não existirem palavras, além das que escapam dos olhos, do meu corpo ou dos meus dedos. E vou querer, e precisar, ficar sozinha muitas vezes, no meu canto, quieta, mas vou desejar também estar com você, segurar nas tuas mãos e me deixar levar, e vou te fazer entender o quanto preciso estar comigo, antes de estar com você. Aí você vai perceber, e talvez até ache bonito, que eu oscilo em instantes, do branco ao vermelho, da ousadia à timidez. Do ódio ao amor. Mas você também vai perceber que, uma vez apaixonada, eu o sou inteira, em abundância. Escorro paixão em cada um dos meus poros. Eu não posso me apaixonar por você, menino, porque se isso acontece, é você quem corre um sério risco.

Para Fernando Passos...

Há versos meus escritos nos teus olhos. Eu, que sempre tive medo que a poesia me escapulisse – como aquelas cartas que são colocadas em garrafas e lançadas ao mar e nunca chegam ao seu destino – encontrei versos meus nos teus olhos. Fora de mim, em ti. Logo eu que, dentro do meu equilíbrio e ingenuidade, acreditava em sentimentos comedidos e tangíveis, descobri um universo de coisas infinitas escondidas nos teus olhos. Nas tuas pupilas dilatadas que me convidam a uma paz que não existe, mas que eu vou porque sempre fui teimosa mesmo. Poesia. É o que fazemos de melhor. É poesia o que tento fazer agora, nessas linhas tortas de palavras erradas e cheias de metáforas, porque nem sei bem o que o lado de dentro tá dizendo. Me incomoda por inteira a necessidade desses versos que se entranham em minha alma e escorrem pelos meus dedos apenas para denunciar coisas nossas, tão particulares quanto aquelas conversas de sábado à tarde. Minha liberdade mora nas palavras, você sabe. E veja que estranho: há palavras minhas nos teus olhos. Nesses olhos embriagados de uma loucura que eu desconhecia e que desperta vontades que pareciam estar a vida toda adormecidas em mim, enclausuradas. Encasuladas. É no querer que a gente se confunde. Nada de almas gêmeas, porque nós somos almas inteiras. Duas. É nesse mesmo querer que a gente se perde e se encontra de novo. E o que é isso? Esse algo maior – dentro ou fora, não sei. Esse incômodo que transborda insistentemente, o que é? A falta de sossego. O desejo latente de roubar os teus olhos pra mim. A ânsia de aprender a usar as asas imaginárias, por se saber essencial voar. Esse ritmo diferente dentro, essa força estranha fora. Isso, o que é? Não. Por favor, não tente me responder. Qualquer que seja a tua resposta pode soar imprópria, fugaz. Apenas me deixa ficar aqui, lendo nos teus olhos reticentes trechos do livro que ainda não escrevi. Poesia de corpos. Me deixa começar a perceber que o que há em comum entre nós não é apenas um monte de matéria presa que delineia formas, mas o liame daquilo que não se explica. Se sente. Me deixa brincar de infinitude e não terminar esse poema texto. Melhor: me deixa construir o final que eu quiser. E assim eu vou colocando reticências nos meus devaneios. Em nós. O quereres e o estares sempre a fim do que em mim é em mim tão desigual Faz-me querer-te bem, querer-te mal. Bem a ti, mal ao quereres assim Infinitivamente impessoal. E eu querendo querer-te sem ter fim E, querendo-te, aprender o total do querer que há e do que não há em mim Caetano Veloso – O Quereres.
É coisa sem métrica, sem rima, sem regras. São palavras soltas - soltas, sabe? Livres. Não cabem pontos finais nem vírgulas nem parágrafos. Simplesmente acontece. É poesia. É a ausência de sentido. É a distração diante de qualquer papel ligeiramente branco, sílabas que se formam desproposital e involutariamente, em hora imprópria, no trabalho, no ônibus, na aula. São os anos que passam, as estações, os desencontros. É recomeçar. Porque tudo, absolutamente tudo, gira em torno do próximo passo, do segundo que se aproxima, dos rumos outros que os olhos inventam. É vestir-se de tristeza, é despir-se e permitir que as cicatrizes apareçam. É sangrar - sim, sangra, podes ver? É coisa de sentir. É fotografar a alma com uma câmera invisível, imortalizar um por do sol, é eternizar e musicar o dia a dia. São versos desconexos as duas e trinta e cinco da madrugada, tentando ser uma declaração boba de amor. É inventar amor. É arrepiar o corpo em um instante de felicidade, e saber voltar para a solidão. É ser amigo da solidão. São os surtos de saudade e de carência. É não saber. É ter unhas afiadas apenas para se agarrar nos braços alheios e pedir socorro, silenciosamente. É abraço dado. São todos os sonhos de abraços não-dados. É um abismo necessário. É sentir o impulso do voo nas entranhas. É saber que a consequência do voo, para os que não têm asas, é a queda, mas ir. É poesia. Até quando não deveria ser, é.
Acabo de sair do banho. Enquanto enxugava a água que escorria pelos meus ombros, pensei em amor. Pensei em minhas cenas preferidas de cinema, nas suas trilhas sonoras cheias de movimentos, e dancei, nua. Da janela, vi uma mulher na esquina da rua solitária atirando ao vento flores imaginárias. Deve estar jogando fora esperanças viciadas de um amor que não veio, pensei. Pobre mulher, talvez tenha se livrado de um mal maior. Pensei em você. Pensei nas perguntas que escondi sob o colchão e que permanecem lá; as respostas, eu não sei. Talvez perambulem por aí sem se descobrirem respostas, naquele caminho atropelado por pequenos descuidos, o que era meu e teu quando éramos você e eu, e quando fomos você e eu? Pensei em aparecer na tua porta, jogar pedras na janela, perturbar a vizinhança, berrar crueldades e te vomitar todas as minhas interrogações. Eu faria minha cara de recém-saída do manicômio, e você debocharia de mim. Pobre de você, nem sabe que minha loucura maior é te amar assim, obsessivamente. Me deixa te amar? Te amar assim. Te amar. Você é um ponto final que não existe, uma frase que nunca termina. Alguém que sempre fica quando o mundo vai embora, alguém que não fica nunca. Minha insegurança, você me diz que só tenho defeitos e não sou boa o suficiente para você – e eu acredito: talvez queiras meu fel e minhas vísceras e eu só sei te dar meu coração. Mas você não olha pra mim. Porque você não olha pra mim? E se eu morder os lábios provocativa e rir um riso de terceiras intenções? Se eu vestir aquele vestido preto que desenha minhas curvas e deixa minhas costas inteiras de fora? E se eu saltar de pára-quedas, colar declarações em todas as paredes, cantar músicas bregas, colocar fogo no apartamento; será que, assim, você me olha? Me olha. Você é a ligação às duas e trinta e cinco da madrugada, e é quem me confunde inteira quando eu tenho certeza que já não quero tanto assim. Você é o telefone que não toca no dia seguinte. É quem me faz procurar terapia, é a mentira que eu não me canso de acreditar, a saudade que me emudece. O nosso amor não é lindo, baby, é absurdo. Tão absurdo quanto viver cada dia como se fosse o último. E você é intruso, o amor inconveniente que me invade o pensamento quando um amor menos complicado tenta se aproximar. Porque você é os textos que eu escrevo de madrugada, minha tentativa desesperada de não enlouquecer. Esse amor é minha loucura. Minha cura, minha doença crônica. Minha insônia, minhas unhas ruídas, meu único assunto. Você é quem eu odeio por quase um segundo – depois amo ainda mais. Você é o meu problema. Meu medo de não aguentar, minha força absurda pra não chorar. Meu gosto duvidoso. Por quê? Porque eu nasci pra te amar? E porque você, otário, vive pra matar esse amor? Acabo de sair do banho. Enquanto enxugava a água que escorria pelos meus ombros, pensei em amor. A mulher na esquina, as flores imaginárias, o coração partido. Pensei em você. Todas as coisas que eu pretendia verbalizar se acotovelaram indóceis na ponta da minha língua, viraram um soluço fosco. E, se tivesse de dizer alguma coisa, eu diria apenas “me ajuda a te entender”.