sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Trinta e quatro

Eu, que há muito tempo deixei de parecer comigo e ainda me espanto com o fato de me reconhecer em meio às tantas outras “eus” que já passaram por mim. Que desejo esbarrar comigo num espelho e me encantar com os meus traços e me perguntar quem sou e dizer, flertando olhos-nos-olhos, que é uma sorte, embora seja tão difícil, me ser. Eu e as minhas quase-idas. Eu, que quase fui tantas vezes e em todas elas quis fugir de mim e, no entanto, sempre me encontro, e me vejo. E estou comigo, tão docemente me faço companhia quando o mundo se afasta. Eu, que sorrio do nada e faço bico quando choro. Que tenho um jeito direto que assusta muitas pessoas e um jeito tímido que muito me assusta. Que sou crítica, principalmente comigo. Que sou azeda, mas que sei ser muito doce, quando doce. Eu e esse medo meu de coisas bonitas. Eu, que costumo deixar a felicidade escorregar por entre os meus dedos e coloco a culpa nos calos de amor que tenho nas mãos e que doem, putaquepariu! como doem, quando algo os aperta. Eu, que acho graça ao me recordar o dia em que ele deixou cair palavras em minha pele suada. Que parei o mundo tantas vezes apenas para ver o segundo que antecedia o seu sorriso. Eu, que tropeço, desastrada, enquanto caminho, porque ando meio assustada e pensando muito nele. Que sou várias, depende de quem chama. Que tenho umas ondas de velhinha. Que prefiro teatro a cinema, cinema a baladas. Eu, observadora demais. Que procuro erros de português em todos os cantos. Que me calo quando muita gente fala ao mesmo tempo. Que tenho preguiça de gente. Eu, que brigo com minha escolha profissional todos os dias. Que todos os dias a peço em casamento. Eu, que só queria desaprender certas coisas e, no entanto, continuo incorporando conhecimentos dos quais não necessito. Que vivo em grave contenda comigo mesma e sou minha adversária audaz. Eu, que acho que viver dói pra caralho e que, às vezes, falo palavrão. Que, apesar das teorias, não sei o que é o amor. Que sou leiga. Que meu amor tem a humildade dos amores que nada têm a oferecer, a não ser a capacidade de aprender a amar ainda mais. Eu. Minhas cocas-zero. Meus episódios de Friends.Sessões de Terapia. Meus livros. Eu, que gosto da noite muito mais do que do dia. Que vivo, insone, em busca de um não-sei-o-quê tão bem escondido entre as estrelas. Que permito-me não querer o óbvio, o fato consumado, o estereótipo das possibilidades restritas; que quero sempre mais. Eu, que só incorporo, intransitivamente. Que vivo dessa absorção das coisas, ainda que tal simbiose não as torne minhas e eu me torne intensamente delas – que sou falha, eis a minha perfeição. Eu, que só incorporo, intransitivamente. Eu, que escrevi histórias na pele com as tintas que minha alma produziu. Eu e minhas doses de melancolia. Meus medos. Minha poesia. Meus trinta e quatro dez de setembro. Meus pedaços. Eu, que continuo a mesma de um ano atrás. Eu, tão absolutamente diferente de ontem. Eu que, em meio as minhas contínuas mudanças, continuo. Eu continuo. Continuo amor.

2 comentários:

Anônimo disse...

A você, que é absolutamente admirável por tudo isso, meu beijo carinhoso, acompanhado de votos de coisas-boas-em-maior-medida-que-ruins.
E se for doer, que passe logo, caralho!

Anônimo disse...

eu destacaria todas as frases desse texto com a minha caneta marca-texto.

Parabéns a você, moça de alma velha e corajosa. Sábia, inocente, linda.

Que as letras continuem lhe amando, que você continue inscrita na dor, porque é ela o impulso para a escrita. Sorte que há dores bonitas.

Beijo na sua bochecha.